sábado, 25 de agosto de 2012

Eu Te Amo

O escritor deixou a caneta de lado e apoiou a cabeça nas mãos. Fechou
os olhos e teve vontade de amassar a folha de papel em branco à sua
frente e jogá-la junto das outras, no lixo. Sentia que precisava
escrever algo que demonstrasse o quanto amava a esposa, mas não
conseguia. Não que não fosse um bom escritor; na verdade, orgulhava-
se de discorrer em diversas linhas qualquer assunto. Mas aquele era
especial. Ela era a musa dos seus sonhos, a heroína de todos os seus
contos e romances, a verdadeira responsável por tudo de belo que já
escrevera. Seria como procurar um presente para quem já tem de tudo.
Esfregou os cabelos e não conseguiu evitar pensar na versão
de Paulo Coelho da lenda de Narciso. A todo momento, Narciso ia para
a beira do lago ficar admirando o reflexo de sua bela figura nas suas
águas cristalinas. Um dia, por descuido, Narciso caiu dentro do lago
e morreu afogado. O lago entrou em desespero e começou a chorar.
Alguém que passava por ali, vendo o sofrimento do lago, quis saber o
motivo de tal pranto.
- Choro por Narciso, que vinha todos os dias às minhas
margens, se admirar...
- Sei quem era! - respondeu o transeunte - muito presunçoso
de sua beleza. Como podes sentir tanta falta de alguém tão
egocêntrico?
- Choro porque era nos seus olhos que eu admirava a minha
beleza...
O escritor passou a mão sobre os olhos como a espantar o
desejo de escrever algo de que não fosse gostar e lembrou dos
primeiros dias de namoro. Ninguém poderia ser mais feliz! Comparando
aos momentos atuais, a única diferença era a certeza de estarem
juntos ao dormir e despertar olhando para seu rosto.
Nos primeiros meses de namoro tiveram todos os problemas
pelos quais um casamento sólido deveria passar. E prosseguiram
juntos. Como poderia ser de outra forma, com tanto amor?
No casamento passaram por todas as dificuldades pelas quais
um casamento eterno deve passar. Dividiram a fartura na bonança e a
escassez nos momentos difíceis, se é que se poderia dizer que haveria
escassez de algo onde sobrava tanto amor.
Riram e choraram juntos tantas vezes, que já não conseguia
mais lembrar como era a vida sem ela.
Sorriu com a idéia que lhe iluminou a mente. Pegou novamente
a caneta e escreveu em letras garrafais: "EU TE AMO!". Não assinou.
Ela reconheceria sua letra. Colocou a folha sobre o lado dela ainda
vazio na cama e foi dormir.


J. Miguel

18 de novembro de 2004 

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