sábado, 25 de agosto de 2012

Pétalas, Perfume de Jasmim e Poesia


Eu a amava com tanta paixão que não conseguia carregar o sentimento dentro do meu peito. Sentia uma necessidade imperiosa de gritar meu amor ao mundo.
Gostava de brincar de medi-la com beijos. Era impressionante reparar que ela crescia a olhos vistos. Às vezes, no curto espaço de uma hora, entre uma medição e outra, ela chegava a crescer vinte ou trinta beijos! Não sei se você já mediu ou foi medido por beijos, mas o processo é bem simples. Eu geralmente começava pelo topo da cabeça, ia percorrendo seu crânio, sua testa, cada milímetro de seu nariz, fazia uma pequena pausa em seus lábios, descia pelo queixo, pescoço, escolhia um dos lados – direito ou esquerdo – e prosseguia em direção ao pé daquele lado. Era mister prosseguir depois a operação do outro lado, já que me preocupava com a possibilidade de ela estar sofrendo algum desvio da coluna e apresentar um lado maior que o outro. Não que aquilo fosse tão preocupante assim, excetuando a preocupação com sua saúde.
A cada vez que a media, sem perceber, diminuía o espaço entre um beijo e outro e findava com a impressão de que ela estava crescendo.
Ela adorava rosas cor-de-chá. Eram minhas preferidas também. Sempre achara idiotice ofertar a mutilação de uma planta a alguém, mas com ela era diferente. Antes de conhecê-la, olhava para uma rosa e via apenas um galho mutilado de uma planta. Depois que a conheci, sentia prazer em despetalar uma rosa em sua pele, fechar os olhos e ficar tateando a pétala no seu corpo, seu corpo na rosa. Às vezes não conseguia perceber a diferença.
Ela adorava perfumes, cheiros... e nisso combinávamos, pois eu também. Quando estávamos juntos, acendia um incenso de jasmim e ficava encostando o nariz no seu umbigo para apreciar a diferença. Sua pele era tão cheirosa!
Ela não gostava de ler. Tudo bem... ninguém é perfeito. Eu passava horas contando-lhe as histórias que lera nos momentos em que estávamos separados.
Por ela aprendi a cozinhar, tocar violão, decorar poesias, arrumar a casa, lavar e passar roupas; aprendi a sempre levar algum presente, por mais singelo que fosse, apenas para agradá-la. Compus poesias e músicas; escrevi palíndromos e acrósticos; bilhetinhos apaixonados e cartas de amor; mensagens de amor no espelho e telegramas românticos, que sempre chegavam depois de mim.
Um dia cheguei e ela não estava. Procurei em cada canto conhecido e ninguém me dizia onde se encontrava. Deixou um recado com seus pais: Queria romper comigo, eu a sufocava!
Quem sufocou fui eu. Deus do céu! Como amava aquela mulher...
Levei meses para voltar a respirar sem soluçar. Ainda precisei de muito tempo para deixar de suspirar ao ouvir seu nome.
Hoje, o tempo passou, a ferida fechou, mas a cicatriz manteve-se.
Não gosto mais de pétalas de rosas, de perfumes de jasmim, nem de poesias.

J. Miguel – 28 de julho de 2004.

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