sábado, 25 de agosto de 2012

Tortinho

Na escola primária havia um colega de classe, deficiente físico. Sabe Deus lá por que resolve marcar algumas crianças, que certamente tornar-se-ão adultos marcados. Alguns superam, outros não.

Desse, não seria justo dizer que lembro o nome. Apenas o apelido, com que o batizamos: Tortinho.

O próprio apelido seria o suficiente para descrevê-lo. Era todo torto, como se tivesse nascido dobrado, e ainda algum anjo alcoolizado houvesse tentado consertá-lo.

Tortinho tinha o cabeção – descomunal e desproporcional – desviado do centro do tronco. Uma corcova na altura das omoplatas lhe valeu o apelido de Camelo, com o passar dos anos. Grosseiro erro estudantil. Era apenas uma corcova. Deveria ser Dromedário.

Para completar o quadro, uma das pernas mais curta que a outra. O pobre era manco! E gago. Mas era uma das crianças mais brincalhonas que jamais conheci. Estava sempre correndo, claudicando e arfando.

Certa oportunidade, em uma dessas festas da escola, onde os pais aparecem para ver seus filhos executando as mesmas peripécias de sempre, apresentei o meu amigo aos meus pais.

- Mãe, esse é o Tortinho...

A bronca foi impensável. Como poderia fazer aquilo com um coleguinha? Zombar de sua deficiência? “O pior, meu filho, é que Deus está vendo... E pode até castigá-lo por isso, tornando-o igual ao menino...”

O tempo passou e a lição ficou. Não sei com exatidão se por causa dessa lição, ou por haver compreendido finalmente que não devemos causar a outrem aquilo que não desejamos que nos causem, o fato é que depois disso, jamais ousei troçar ou tripudiar com um apelido qualquer deficiente.

Entretanto, sempre me ficou o medo de me tornar semelhante a alguém com o aspecto disforme, bem como a busca em evitar agir de um modo que não gostaria que agissem comigo.

Contudo, hoje me encontro entristecido por estar passando a alguém muito importante, a idéia que não é importante para mim. Como poderia dizer que passo noites em claro, pensando em como dizer o que se passa em meu íntimo, se não tenho como?

Alguém certa vez me disse que tenho a aptidão de “dar um jeitinho”, como bom brasileiro que sou.

Vou tentar... 

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