sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Bloco Carnavalesco Unidos de Vila Jacupita


O Carnaval vem chegando. É a época do ninguém-é-de-ninguém. Ano passado, o pessoal aqui da rua organizou o Bloco Carnavalesco da Vila Jacupita. O bloco iria desfilar no oitavo grupo, mas, na hora agá, alguém perdeu os vale-transportes e não deu para o pessoal comparecer na Avenida.
Este ano organizaram melhor e é voz corrente que isso não irá se repetir. Estamos nos ensaios finais. É uma beleza!
Minha filha entrou em casa esbaforida:
- Pai! Eu vou ser a Madrinha da Bateria...
- Nem que Bateria fosse o nome da filha caçula da Dona Quitéria, a recém-nascida...
Minha esposa intervém:
- É um menino e o nome dele é Reynaldo Giannechinni...
- Mas o moleque é preto! – pondero.
- Pai!
- Tá bom, afro-descendente...
- Afro-brasileiro, jumento!
Minha sogra adora me corrigir.
- Tá, gente! – minha filha se impacienta. – O que importa é que o Seu Agenor me convidou para ser a madrinha da bateria.
Minha esposa reclama:
- Aquele desgraçado! Ele disse que eu seria a madrinha da bateria... até fui lá na casa dele ensaiar...
- Eu também! – exclama minha sogra.
Seu Agenor é o dono do botequim da esquina. Depois que colocou aquelas máquinas de caça-níqueis no botequim, alguém lhe disse que aquilo era contravenção.
- Explorar essas máquinas é contravenção, seu Agenor...
- Igual a jogo do bicho? – indagou.
- Igualzinho...
Pronto! Dali por diante, seu Agenor passou a se achar o tal. Só se apresenta como bicheiro. Começou a usar um terno surrado e óculos escuros. O pior foi a voz. Principiou a falar com a voz rouca, feito Don Corleone. Inclusive passou a exigir que o chamassem de “padrinho”.
Daí para se impor como o Patrono do Bloco Carnavalesco de Vila Jacupita, foi um passo.
Meu cunhado resolveu a disputa:
- Gente! Vocês nunca foram em um casamento com vários padrinhos e madrinhas? Qual o problema da bateria ter três madrinhas?
Minha sogra assente com a cabeça e caminha pelo corredor adentro. Minha mulher e minha filha vão atrás. Fico na sala tentando lembrar quando foi que a minha esposa foi na casa do seu Agenor ensaiar...
Em instantes, voltam as três, usando minúsculos tapa-sexo e uma espécie de coroa feitas com latas de goiabada sem ambas as tampas. Apenas o aro. Mais nada!
- Êêêê! Viva as três gerações de madrinhas da Vila Jacupita!
É a voz do namorado da minha filha. Quando foi que o asqueroso entrou?
Não sei quanto tempo fiquei estático, olhando para as três. Meu queixo deve ter alcançado o umbigo. Minha filha tem apenas quinze anos!
Minha mulher não pode estar falando sério em sair na rua usando aquilo, com os peitos de fora!
Minha sogra... minha sogra... Meu Deus!
As três entraram na sala sambando, cantando o samba do bloco. Minha sogra, com aquelas tetas enormes, balançando e batendo nas costas dela a cada girada, fazendo o som de um tapa. Pá! Pá-Pá!
A barriga da velha é uma monstruosidade. Deus! Não tenho certeza se já me benzi, mas vou benzer de novo. É a visão do inferno. Reparo que ela se depilou. Agora sei de onde vieram os cabelos brancos que entupiram o cano da pia da cozinha. Putz! A velha se depilou na cozinha!
Aponto para o meio das pernas da velha e tento dizer o que estou pensando, quero perguntar se ela se depilou na pia da cozinha, mas apenas saem uns gorgulhos, que nem mesmo eu consigo entender.
- Eu não disse que esse seu marido é um tarado? – ela fala para a filha.
A mulher me dá um tapa na cabeça.
- Seu pervertido! Pára de olhar prá mamãe...
O namorado da minha filha começa a batucar na mesa da sala. O cachorro sai de não sei onde e fica rodando atrás do rabo sobre o tapete. Eu não havia colocado chumbinho na ração do desgraçado?
O coro aumenta:
- “É Carnaval, vou me acabar! Hoje ninguém é de ninguém, você vai ter que perdoar...”
A porta se abre e entra mais uma dúzia de vizinhos:
- “É Carnaval, vou me acabar! Só na quarta-feira você vai me encontrar!”
Consigo esboçar uma reação e arrasto minha filha para fora da sala, justo na hora do refrão:
- “Pego a vaselina e passo na periquita, que eu sou... da Vila Jacupita!”
- Quem diabos compôs essa porcaria? – pergunto.
- Seu Agenor! – responde o coro.
Enquanto arrasto minha filha para dentro, a fim de obrigá-la a colocar uma roupa decente, meu filho caçula, de dez anos, passa usando uma fantasia de baiana, dançando igual à Carmem Miranda.
- Que porra é essa?
- Minha fantasia, ué...
- De baiana?
- E qual o problema? É Carnaval! – responde a mãe dele.
- Mas... mas... ele é um menino! – Passo a mão nos cabelos, custando a acreditar. – Eu o proíbo de desfilar de baiana!
O povaréu na sala emite um “Oh!” em uníssono.
- Mas aí não vamos ter a Ala das Baianas... – diz um pé inchado sentado no meu sofá.
- Como assim? Sem ele as baianas não vão desfilar?
- Pai! Deixa de ser retrógrado! Eu sou a ala das baianas...
- O senhor ainda não viu nada seu Cornélio... – diz o namorado da minha filha – o bloco só vai ter três mulheres desfilando.
- Meu nome é Cordélio, filho duma quenga! – não consigo conter a raiva – CORDÉLIO!
- Calma, benzinho... – minha mulher tenta apaziguar.
O cachaceiro sentado no meu sofá toma mais um gole do meu uísque e repete:
- É benzinho... calma!
O desgraçado está esvaziando a minha garrafa de uísque!
- Ei! Quem deu autorização para beber o meu uísque?
- Ué... o senhor não falou nada quando eu bebi a outra...
Só aí que eu percebo que já esvaziou a outra garrafa de Ballantines. A desgraçada da minha sogra dá uma golada no gargalo mesmo e senta no colo do cachaceiro.
- Você anda muito estressado, Cordélio. Precisa de um retiro no Carnaval...
- Que história é essa de só três mulheres no bloco? – pergunto.
- É que os outros maridos da rua proibiram as esposas e filhas de desfilarem só de tapa-sexo. Como seu Agenor só distribuiu tapa-sexo para as mulheres, só vai a sua filha, sua mulher e a sua mãe...
- Minha sogra!
- Ah! Então são quatro. Eu não sabia que a sua sogra também ia desfilar.
O cachaceiro não sabe onde está mexendo. Tenho ganas de quebrar a garrafa vazia na sua cabeça.
- A minha mãe não vai desfilar! – Exclamo.
Minha mulher me olha com aquela cara de quem esconde um segredo e dispara:
- Errr... benzinho... sua mãe vai desfilar, sim.
- Na ala das baianas? – minha pergunta sai quase em sussurro.
- Não! – responde o coro.
- Vovó é passista. – explica meu filho.
Dou-lhe um tapa na cabeça e o turbante sai pela janela.
- Vai já prá dentro tirar essa roupa!
Ele faz beicinho, como quem vai chorar, mas a mãe lhe faz um sinal e ele resolve obedecer. Ao sair, chama o cachorro.
- Vem Gato Guerreiro! Vamos tirar a fantasia de baiana...
Só aí percebo que o cachorro também está fantasiado de baiana.

J. Miguel (02fev2005)

Nenhum comentário:

Postar um comentário