Minha sogra tem Alzheimer. Quando o médico deu a notícia, ela deu um sorriso e sentenciou:
- Ainda bem que não é Parkinsons. Mil vezes não saber onde deixei a garrafa de cachaça, do que derramar ela no chão sem conseguir beber...
- Mamãe! – exclamou meu marido – A senhora não bebe!
- Ah, não é? – fez uma cara confusa e emendou – Xi! Deve ser o Alzheimer.
E assim, ficou lá em casa.
O tempo foi passando e a velha fazia as coisas mais loucas que se possa imaginar. Um dia, enquanto Jorge lavava o carro, em um momento de distração, ela entrou, ligou o motor e saiu em disparada pela avenida. Deixou o carro morrer no fim da rua e conseguimos alcançá-la. Meu marido deu-lhe uma bronca, dizendo que ela não sabia dirigir, que poderia ter machucado alguém. E ela:
- Eu não sei dirigir? Xi! Deve ser o Alzheimer...
Jogou o gato na lavadora e quase matou o bichinho. Quando reclamei, ela apenas disse:
- Não pode lavar o gato na lava-roupas? Xi! Deve ser o Alzheimer.
Pouquíssimo tempo depois já estava aprontando outra cagada e a desculpa era sempre a mesma:
- Xi! Deve ser o Alzheimer...
A professora do meu caçula ligou lá para casa, exigindo a presença de um dos pais na escola. Cheguei lá e a mulher encontrava-se em estado lastimável. Imaginei que monstruosidade meu filho poderia ter cometido, mas ela disse que o que a aborrecera foram as pequenas coisas. Todo dia, alguma coisa ou outra, ela chamava a atenção e ele, com a cara mais cínica do mundo, replicava:
- Ah! Não pode bater no coleguinha? Xi! Deve ser o Alzheimer...
- O que irrita, mãe, é a cara deslavada que ele usa, como se não fizesse a menor importância levar uma bronca...
Prometi à professora que iria ter uma conversa com ele e corri para casa, morta de vergonha. O garoto urinara na sala, batera nos coleguinhas, xingou a professora, vivia dizendo palavrões que nem em casa dizíamos, enfim aquele não era o meu filho!
Conversamos com ele, Jorge e eu. Depois da bronca, sabe o que ele disse?
- Xi! Deve ser o Alzheimer...
Chamei meu cunhado para um almoço, pois eu planejava deixar a velha em um abrigo. Não que ela fosse tão incômoda, mas estava atrapalhando muito a nossa vida. Espero que entendam que não sou nenhum monstro, procurei logo a melhor casa geriátrica da cidade. Ao saber do custo mensal, pensei que meu cunhado pudesse dividir a despesa conosco.
Eles vieram, almoçaram, brincaram, conversaram. Na hora do cafezinho, sutilmente entrei no assunto. Foi só aí que coloquei o Jorge a par da minha idéia. Devo confessar que fui muito sutil, disse que havia visto um comercial da casa de repouso, que talvez valesse a pena uma visita. Nem tanto o Jorge, mas seu irmão é que ficou indignado.
- O quê? Colocar a mamãe em um asilo? Vocês enlouqueceram?
E muito blá-blá-blá depois, meu cunhado Antônio foi taxativo: não aceitaria, em hipótese alguma, que a mãe fosse despejada em um asilo. Nós ficaríamos com ela até que ele terminasse a obra em casa, onde construiria mais um quarto. Depois disso, a cada seis meses cada um ficaria com ela. Meu marido concordou.
Não posso dizer que sou sempre assim, mas tem horas em que o mundo parece estar jogando contra.
Durante a semana, na primeira merda que a velha fez, coloquei ela dentro do carro e a levei para um passeio na casa do Antônio. Conversa vai, conversa vem, o tempo passou. Brincamos, rimos, conversamos. Lá pelas tantas, disse que iria na farmácia comprar um remédio e que já voltaria para buscar minha sogrinha.
Entrei no carro e despenquei para casa. Algumas horas depois, o telefone tocou. Era o Antônio:
- Marisa! Você esqueceu de levar a mamãe...
E eu:
- Ih! Esqueci, é? Xi! Foi o Alzheimer...
- Ainda bem que não é Parkinsons. Mil vezes não saber onde deixei a garrafa de cachaça, do que derramar ela no chão sem conseguir beber...
- Mamãe! – exclamou meu marido – A senhora não bebe!
- Ah, não é? – fez uma cara confusa e emendou – Xi! Deve ser o Alzheimer.
E assim, ficou lá em casa.
O tempo foi passando e a velha fazia as coisas mais loucas que se possa imaginar. Um dia, enquanto Jorge lavava o carro, em um momento de distração, ela entrou, ligou o motor e saiu em disparada pela avenida. Deixou o carro morrer no fim da rua e conseguimos alcançá-la. Meu marido deu-lhe uma bronca, dizendo que ela não sabia dirigir, que poderia ter machucado alguém. E ela:
- Eu não sei dirigir? Xi! Deve ser o Alzheimer...
Jogou o gato na lavadora e quase matou o bichinho. Quando reclamei, ela apenas disse:
- Não pode lavar o gato na lava-roupas? Xi! Deve ser o Alzheimer.
Pouquíssimo tempo depois já estava aprontando outra cagada e a desculpa era sempre a mesma:
- Xi! Deve ser o Alzheimer...
A professora do meu caçula ligou lá para casa, exigindo a presença de um dos pais na escola. Cheguei lá e a mulher encontrava-se em estado lastimável. Imaginei que monstruosidade meu filho poderia ter cometido, mas ela disse que o que a aborrecera foram as pequenas coisas. Todo dia, alguma coisa ou outra, ela chamava a atenção e ele, com a cara mais cínica do mundo, replicava:
- Ah! Não pode bater no coleguinha? Xi! Deve ser o Alzheimer...
- O que irrita, mãe, é a cara deslavada que ele usa, como se não fizesse a menor importância levar uma bronca...
Prometi à professora que iria ter uma conversa com ele e corri para casa, morta de vergonha. O garoto urinara na sala, batera nos coleguinhas, xingou a professora, vivia dizendo palavrões que nem em casa dizíamos, enfim aquele não era o meu filho!
Conversamos com ele, Jorge e eu. Depois da bronca, sabe o que ele disse?
- Xi! Deve ser o Alzheimer...
Chamei meu cunhado para um almoço, pois eu planejava deixar a velha em um abrigo. Não que ela fosse tão incômoda, mas estava atrapalhando muito a nossa vida. Espero que entendam que não sou nenhum monstro, procurei logo a melhor casa geriátrica da cidade. Ao saber do custo mensal, pensei que meu cunhado pudesse dividir a despesa conosco.
Eles vieram, almoçaram, brincaram, conversaram. Na hora do cafezinho, sutilmente entrei no assunto. Foi só aí que coloquei o Jorge a par da minha idéia. Devo confessar que fui muito sutil, disse que havia visto um comercial da casa de repouso, que talvez valesse a pena uma visita. Nem tanto o Jorge, mas seu irmão é que ficou indignado.
- O quê? Colocar a mamãe em um asilo? Vocês enlouqueceram?
E muito blá-blá-blá depois, meu cunhado Antônio foi taxativo: não aceitaria, em hipótese alguma, que a mãe fosse despejada em um asilo. Nós ficaríamos com ela até que ele terminasse a obra em casa, onde construiria mais um quarto. Depois disso, a cada seis meses cada um ficaria com ela. Meu marido concordou.
Não posso dizer que sou sempre assim, mas tem horas em que o mundo parece estar jogando contra.
Durante a semana, na primeira merda que a velha fez, coloquei ela dentro do carro e a levei para um passeio na casa do Antônio. Conversa vai, conversa vem, o tempo passou. Brincamos, rimos, conversamos. Lá pelas tantas, disse que iria na farmácia comprar um remédio e que já voltaria para buscar minha sogrinha.
Entrei no carro e despenquei para casa. Algumas horas depois, o telefone tocou. Era o Antônio:
- Marisa! Você esqueceu de levar a mamãe...
E eu:
- Ih! Esqueci, é? Xi! Foi o Alzheimer...
J.Miguel
11 de Janeiro de 2005
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