quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Portelinha

Março de 1983. Um auditório como sala de aula pra os cerca de setenta calouros do primeiro ano de Física. Diante de uma horda de novos alunos, alguns nem tão novos assim, entra o – em minha humílima opinião! – mais lendário dos professores de Matemática da Fahupe, Portelinha.

Do alto de seus pouco mais de um metro e meio de altura, era a sapiência em pessoa. Embora estivesse já um tanto calejado pelos anos integrados e derivados na lousa.

Portelinha observa o imenso quadro negro e divide-o em três partes iguais com um risco vertical, que vai até onde o braço alcança. Para dar maior visibilidade aos alunos, Portelinha inicia sua aula – sempre! – pelo terço central do quadro. Às vezes, ao preenchê-lo, prossegue no terço esquerdo; às vezes, no direito; quem se importa? Dali, pula para o outro terço, que nem sempre mostra-se suficiente. Então, estica um pouco mais o corpo e escreve na parte superior de um dos terços, às vezes o esquerdo, o direito, ou o central. Quando termina de preenchê-lo, fica em dúvida sobre qual daqueles emaranhados havia preenchido primeiro e, via de regra, apaga outro. Às vezes, usa um pedaço da parede para finalizar um cálculo. Ao concluir a resposta do exercício, Portelinha perde mais alguns minutos fazendo setas, indicando a seqüência correta a seguir; todavia, como uma das partes está faltando, fica um mosaico de números, letras e gráficos e setas no quadro, que nem mesmo ele entende.

Ao final da aula, saíamos com aquele peso nos ombros de quem se perguntava se haveria possibilidade de terminar o curso sem entender Cálculo Diferencial e Integral.

Às sextas-feiras, no bar do Gancho – que em geral era o lugar onde iam parar as faturas do consumo -, o primeiro brinde era uníssono:

- Ao Portelinha!

Ao que todos os frequentadores respondiam de copo erguido:

- Ao Portelinha!

Trinta anos passados, sou levado a crer que Portelinha seja falecido. Ao menos seu nome não consta da lista dos brasileiros com mais de um século de vida. Além disso, tenho certeza que Portelinha reencarnou e está lecionando Cálculo na UFRJ. Ah, está! 

(J. Miguel, 20set2013).

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