sábado, 25 de agosto de 2012

Minha Independência

Em certos momentos da vida, quando pensamos que está tudo da melhor maneira possível, vem sempre o efeito borboleta e desorganiza tudo.

Arrumei meu último livro na prateleira e sorri satisfeito. Finalmente conquistara a minha tão sonhada independência. Acabara de me separar, depois de um casamento de dezoito anos e terminara de mobiliar e arrumar o meu novo lar, um pequeno apartamento defronte à praia de Botafogo. Era pequeno, mas só meu.

Retirei os sapatos e as meias. As meias, enrolei cuidadosamente para colocar no cesto de roupas sujas, quando tive a minha primeira sensação de liberdade e mudei de idéia. Joguei os sapatos na sala e as meias no canto, ao lado da cama, tendo o cuidado de separá-las primeiro. Tirei as calças e fiquei andando de cuecas pela sala. Sentia que precisava cometer alguma loucura para completar minha liberdade. Primeiro, levantei a tampa do vaso. Depois desforrei a cama. Em seguida, esparramei algumas roupas pela casa, só para me sentir bem.

Não havia nem duas horas que me encontrava naquele torpor, naquela sensação de felicidade indizível, quando o celular tocou. Era minha tia. Devia ter percebido o quanto ela estava gagá naquele instante, pois faziam três anos que não falava comigo. Me disse o quanto lamentava pela minha separação e que desejava me visitar.

Minha tia tem setenta anos de idade e parece um faquir de tão magra. Mede pouca coisa menos que um metro e meio e ainda por cima, é vesga. Tem um nariz adunco e fantasticamente avantajado. Vive sozinha desde que ficou viúva. Nenhum dos filhos jamais a suportou por uma semana. A última notícia que tive dela foi de que sonhara que estava sendo assaltada e se atracara com os bandidos, três homenzarrões enormes, armados até os dentes e dispostos a violentá-la sexualmente. Tudo seria natural, se ela não acreditasse que aquilo realmente aconteceu. Por conta disso, passei maus bocados, pois ela cismou que eles a atacaram sob minhas ordens. Alguns doidos da minha família chegaram mesmo a me ligar para saber o que acontecera. Pouco tempo depois, soube-se que um carro suspeito, com três homens dentro, fora visto rondando a rua onde ela morava e, em um acesso de insanidade, imaginou a luta com os facínoras e a tentativa de estupro. Nem que fossem mais doidos que ela! Até que gosto dela, mas a velha é o Cérbero chupando manga, com as três bocarras! Desde então, passei a evitar os locais onde ela pudesse se encontrar, não por mágoa, mas proteção à minha reputação. Vai que ela tem outro delírio.

Pois bem, qual não foi minha surpresa ao saber que ela queria me visitar justo no meu primeiro dia de independência. Meio sem jeito, concordei. Perguntei se ela queria que eu a buscasse, mas me respondeu que viria de táxi. Dei o endereço e fui arrumar a minha bagunça. Meia hora depois, pancadas secas na porta anunciavam sua chegada. A surpresa ficou por conta da quantidade de malas que a acompanhavam. Viera para ficar. Lembro de ter olhado para o alto e perguntado a Deus:

- Por que eu, meu Deus?

Mostrei-lhe a minha cama e combinei que eu dormiria no sofá. Certamente ela não conseguiria ficar até o fim de semana. Deitei no sofá e fiquei remoendo minha triste sina. Primeiro dia vivendo sozinho... O sofá era terrivelmente desconfortável. Nem sei a que horas peguei no sono. Acordei com a claridade do sol entrando pela janela. Olhei para o relógio e vi que já passava do meio-dia. Minha tia entrou nesse exato instante, aparentemente voltando da praia, trajando um biquíni fio dental menor do que o meu polegar. Usava um óculos escuros que deviam alcançar o meio da testa. Nem em sonho disfarçava o tamanho do nariz. Ao invés disso, pronunciava-o ainda mais. Para completar o quadro, seus pêlos pubianos espalhavam-se esbranquiçados pelas virilhas. Aquilo era a visão do inferno! Afundei o rosto no travesseiro.

De maneira muito rápida ela disse que sabia que deveria se depilar, mas não havia encontrado meu barbeador. Sorte a minha.

Segunda-feira cheguei em casa do trabalho ao anoitecer e a encontrei se preparando para sair. Usava uma espécie de capa de chuva e levava uma bolsa ao ombro. Não quis me dizer onde iria. Achando que ela voltaria logo, adormeci no sofá.

O telefone tocou às duas da manhã. Era da Delegacia. Estavam me pedindo para ir buscar minha tia.

Cheguei na DP e havia uma multidão por lá. Bem no fundo, sentada em um banco encostado na parede, minha tia, vestida com um maiô azul, vermelho e branco, parecido com a bandeira dos Estados Unidos, totalmente enterrado na bunda. Seu pêlos ainda esparramavam-se fartos. Depois de me identificar, um policial me arrastou pelo braço para um canto e ameaçou me prender por maus tratos a um idoso, se a encontrasse novamente na rua, vestida daquele jeito. Ela fora vista vestida de Mulher Maravilha perambulando pela cidade. A todos mostrava sua arma secreta, que era um pênis de borracha enorme.

- Eu só queria ajudar... prender uns bandidos... – sua voz chorosa me partiu o coração.

- Tá bom, titia – ponderei – mas agora tem que me prometer que não vai mais sair vestida de Mulher Maravilha...

- É claro que não vou fazer mais isso! – exclamou, para emendar em seguida – Que sobrinho mais burro!
Enquanto saíamos da delegacia, diversos jornalistas nos fotografavam.

- Sobrinho burro, policiais burros... – resmungou.

- O que foi, tia? Por que os policiais são burros?

Meteu a mão na bolsa:

- Esqueceram de reter a minha arma... – e ficou balançando o monstruoso dildo.

Tentei tomar de suas mãos aquele objeto, mas ela bateu com ele na minha cabeça. De que diabos esses consolos são fabricados? Chegando em casa, indaguei se ela estava sendo sincera ao prometer não sair mais para combater o crime no Rio de Janeiro.

- Eu não prometi isso – ponderou – prometi não me vestir mais de Mulher Maravilha, porque estragaram meu disfarce.

E tem gente que pensa que sua semana foi ruim. 

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